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História

110 ANOS: SETEMBRO ENSANGUENTADO.

GUERRA DO CONTESTADO

Publicada em 23/01/2024 às 15:01h - 61 visualizações

por JOÃO BATISTA


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 (Foto: Rádio Destaque Regional)

Dia primeiro de setembro de 1.914 nos redutos dos caboclos, o inverno esta acabando, o sol já esta um pouco mais forte, os últimos preparativos para atacar as instalações da Lumber e estrada de ferro estão no fim. Os líderes seguem as últimas ordens de Maria Rosa.

-Carmão será primeiro, chefe menino Chico leva um povo pra lá, sem derramar sangue de inocentes, Venuto você vai pra São João, não ataque mulheres, crianças e os pobres do Rucio! Ordena a jovem. No dia seguinte  grupos são escolhidos e abastecidos de uma alimentação simples, facão de pau, armas de fogo adquiridas nos combates com os "peludos" estão  na carga.   Saem a tarde e pernoitam nas matas, já que o caminho é longo. Pelos velhos caminhos de tropas os dois grupos seguem, Venuto saiu antes pois seu trajeto é mais longo, sanguinário, pelo caminho já vem matando pessoas e gado. Chico Alonso menos sanguinário, caça e quando pode mata uma rês(vaca)  para dar de comer seus aliados.

                Três de setembro, o vento frio de final de inverno castiga de leve o povoado de Calmon, o trabalho transcorre normal na serraria, trens transitam normalmente com passageiros e cargas. Pessoas param na pequena cidade, mapeada pela Lumber para ser uma das maiores do estado. O dia e a noite passa sem problemas, O dia cinco de setembro amanhece, os afazeres reiniciam depois de uma noite de festas, mortes e barbáries causados pelos jagunços da Lumber. Fato que estavam acostumados.

                11h30min, o cheiro de carne de porco frita com alho parece tomar conta do povoado, mesmo na pobreza as mulheres dos trabalhadores sabiam como agradar  os esposos e filhos.O cheiro de alho frito chega as narinas de seu Antonio na estação. No final da tarde o cheiro de Artemísia, e cravos que começam a florir depois de um inverno rigoroso, abafa também o cheiro de esterco deixado pelos animais de carroças, e cavalos dos pistoleiros.

Quatro horas da tarde, ouve-se apenas o barulho das serras da lumber, das batidas de tábuas e das marretas batendo ferro nas oficinas da estrada de Ferro. Os trabalhadores se olham, sentindo algo diferente no ar, já que alguns dias  no mês de agosto, vários caboclos e caboclas passaram pelo povoado, pareciam olheiros,anos antes um jovem caboclo matou alguns pistoleiros e sua fama ficou na memória das pessoas. Chico Alonso e sua equipe cruzam os campos, onde atualmente esta a fazenda de Miguel Spautz, poucas horas separam eles do alvo final, Calmon e seus moradores e o grande engenho americano, a Serraria.

Na floresta de araucárias, o que ainda restou, local onde atualmente esta a Escola Estadual de Calmon, Chico Alonso manda parar para descansar e ver como está o movimento, já que daquele local a visão é muito boa. Fala aos seus comandados.

-Hoje vamo faze vale nossos direitos que foram tomados pelos bandidos da Lumbê, queimem aquele monstro chamado de serraria, matem homens, mas deixem mulheres e crianças, orde de Maria Rosa.

Todos concordam com o jovem chefe.

Olham as aramas verificam seus facões de pau, alguns rezam a São João Maria, outros baixam a cabeça e pensam que a batalha vai começar.

No povoado, as fagulhas das chaminés da serraria estão mais vermelhas e vivas, Seu Antonio estranha aquele silêncio nos pinheirais, mesmo como barulho da serraria, a algazarra de macacos, bugius e pássaros são direto, naquela tarde tudo esta diferente. Até o vento balança as poucas roupas no varal, alguns cães começam a uivar, sendo acompanhados por outros.

                Enquanto isso em São João dos Pobres,  Os Negros do Rocio, estão atarefados com suas roças de tocos, é época de queimar o campo e a mata roçada, logo inicia as plantações. No povoado, de São João, o movimento é pouco, tudo parece tranqüilo, chega a noite e transcorre tudo bem. Amanhece nos campos, as florestas estão mais verdes, logo chega à primavera. Cinco de setembro, Venuto segue uma velha estrada de tropeirismo, que atualmente passa pelos campos de General Dutra, destino a estação de São João.

.....E seguem os caboclos com o plano de destruição do que pertence ao americanos.

Algumas paradas para o descanso, neste momento o líder conversa e afirma, para matarem todos, inclusive crianças, alguns reclamam afirmando:

-A virgem pediu para não matar crianças e mulheres, e agora?

Baiano grita:

               -Quem não seguir as ordens morre junto!

Muitos durante a noite conversam as escondidas, confabulando entre si, afirmando que deste modo os bandidos seriam eles.

                Em Calmon a tarde chega, cinco horas, Chico Alonso grita:

               -Atenção, em nome da virge e São Jusé Maria, morte aos peludos da lumbe!

Volta a acrescentar:

               -Sem mata muéres e crianças. Elas não nos devem nada!

               Um batalhão de 300 caboclos e algumas mulheres descem quietos quando saem no limpo um pistoleiro avista e corre para dar o alarme no povoado. Com os cabelos esvoaçando grita. Chegaram os cabocros malumbentos. Avisem os pistoleiros. Seu Antonio da plataforma vê a multidão correndo na rua, onde atualmente é a Matilde Whoeringer, as primeiras casas começam a arder com fogo, a estação é o próximo alvo.

Pistoleiros se reúnem em frente a estação.

O vento levanta poeira da estrada batida de rodas de carroças e cascos de cavalos.

                De um lado um número superior de caboclos, com facões de pau, espingardas e alguns winchesters. Do outro lado 123 pistoleiros armados com colts 45 e armas de repetição com alavancas. Enquanto alguns queimam e matam alguns homens, os pistoleiros erguem mira, ouvem-se apenas os gritos de:

-Fora lumbe, fora peludos e estrada de ferro!!!!

Os primeiro tiros são ouvidos, tombam os primeiros caboclos, Chico Alonso grita:

-Força meus irmãos, viva São Sebastião!

Avançam sobre os pistoleiros alguns são alcançados pelos tiros, outros pelos facões de pau.

 

O sangue começa a manchar a rua, muitos olham abismados das janelinhas das casas. Mulheres pegam as crianças e fogem, os caboclos deixam que corram. Na serraria, ouve-se o tiroteio cerrado, parecendo a Guerra de Secessão. O feitor manda parar as máquinas e joga facão, pedaços de pau e ferros para os funcionários se defenderem.

Seu Antonio corre para o telégrafo e avisa as estações aos arredores:

-Socorro, bandidos em Calmon, socorro, estão matando e queimando tudo. A estação em poucos minutos vira uma grande fogueira, e a "batalha" agora é travada sobre os trilhos, corpos de caboclos, trabalhadores e pistoleiros vão se empilhando, em um cenário macabro.

Pessoas degoladas, outros sem braço, alguns gritam por socorro. Chiquinho Alonso grita:

-Quem for cabocro venha pro nosso lado e não morrerão!

Alguns atendem ao chamado e viram de lado, armas que ficaram espalhadas são recolhidas e distribuídas entre os combatentes, que de um numero de 300, restam  apenas 214. 

Serraria da Lumber!

Chiquinho guia os caboclos até a serraria e são recebidos a bordoadas e tiros, mas nada comparado com a vontade de brigar dos caboclos que em poucos minutos incendeiam a "poderosa  serraria"e todo seu material de madeiras empilhadas.

A fogueira é enorme e o número de mortos também. Nas matas de araucárias, pelos lados da pirambeira, mulheres e alguns homens com suas crianças correm sem parar, se escondem, quando ouvem o cessar de tiros e apenas os estalos das ferragens da serraria ardendo na fogueira que marcou o sertão calmonense em 1.914.

Em seguida o líder reúne os homens que sobraram e seguem para o armazém do Nicola que ainda estava em pé e escrevem um bilhete, pregando na parede.

"Nóis num matava e nem robava, veio governo das  oropas e tomou tudo que pertencia a nacao, matou nsos fios e muéres, nóis agora vamo faze vale nossos diretctos".

Assinado:

 Comandante de briga Chico Alonso!

Altas horas da noite, os porcos devoram os corpos que ficaram espalhados no povoado, as vísceras estão em qualquer lugar em qualquer boca de animal. Corpos insepultos jazem a mercê da natureza.

  Um trem de inspeção segue para Calmon e da Serra da Pirambeira avista as labaredas  do incêndio de Calmon e concluem: A guerra havia começado! Recolhem mulheres e crianças na beira da ferrovia e retornam a União da Vitória, onde dão o alarme.

Avisam o Capitão Matos Costa, que Calmon, virou cinza, não sabem eles que em breve  São João dos Pobres é a nova vitima, pois naquela noite de cinco de setembro já esta na mira dos Caboclos de Benevenuto Baiano.

Baiano e seus comandados permanecem atocaiados nas matas de pinheiros, próximo a São João, alguns olheiros, chegam no pequeno povoado do Rocio, distante cerca de três quilômetros da estação. Conversam com as famílias de Negros, convidam alguns para se juntarem ao grupo, alguns recusam, alguns jovens aceitam, e prometem que  com eles nada vai acontecer.

Amanhece  no povoado, os moradores notam fumaça nos capões  de mato próximos dos campos a beira da estrada de ferro que segue para Calmon, o dia passa sem incidentes, alguns dos caboclos se misturam com as pessoas e perambulam pela cidade, para preparar o ataque. O comandante Venuto permanece no acampamento provisório, acertando os detalhes.

O almoço é a carne que sobrou das vacas que mataram durante a viagem, comem, e Baiano grita, 

-Pessoar, acredito que já ta na hora de nóis mata estes peludos.

Eram 16h46min minutos. Tudo parecia tranqüilo, quando a multidão invade o povoado de São João, com ordem expressa de matar a  todos. As primeiras casas são incendiadas, as famílias correm para fora e são mortas a golpe de facão. Outros com tiros. A família Schena, é feita refém e a mulher obrigada a cozinhar, enquanto seus familiares são mortos na sua presença.

Alguns caboclos reclamam com Venuto, dizendo que aquilo não era o combinado com a virgem. Pessoas ajoelham-se e pedem clemência:

-Por  favor, não nos matem, somos pessoas pobres iguais a vocês.

Alguns erguem o facão e param por um momento, nota-se que eles não desejam aquilo.

Baiano torna a gritar:

-Matem ou vocês morrem por eles!!!!

Contra  gosto, pulsos e pescoços são cortados, de homens, mulheres e das pobres crianças.

Dirigem-se para a Estação e todo o material existente  próximo a ela é incendiado.

Quando as pessoas que trabalham no local notam o movimento, ouvem o tiroteio e correm, alguns morrem, e um rapaz consegue se refugiar no mato.

 

Trata-se de José Leôncio Silva, 17 anos foi enviado para União da Vitória, e dali destacado para trabalhar em São João. Homem que morava sozinho em uma pequena casa próximo da estação, com um salário de 93 mil réis,  que na época era um bom ordenado.Este jovem  presenciaria o horror. Ele viu  o incêndio da estação, local que trabalhava, que vitimou o senhor João de Oliveira, que alguns autores citam como "agente" e outros como "telegrafista" de São João.

Na época, a chefia da estrada de Ferro São Paulo Rio Grande,  designava como responsável pelas estações de pequeno porte um funcionário que acumulava as funções de agente, telegrafista, conferente, etc. Mas é lógico que esta pessoa não podia cuidar de tudo sozinha durante 24 horas por dia. Os trens circulavam dia e noite, as estações não fechavam suas portas. Então a Chefia enviava também um auxiliar, geralmente novato e solteiro, para que a E.F.S.P.R.G não precisasse disponibilizar moradia para duas famílias. Segundo dados da família,  em setembro de 1.914 o senhor João de Oliveira era o agente em São João e José Leôncio, com apenas 17 anos, seu auxiliar.

Naquela tarde, moradores buscam suas armas e lutam frente a frente com os caboclos, tombam pessoas dos dois lados, o sangue é visível em todos os lugares. Alguns caboclos cientes da matança que estão provocando de pessoas que praticamente nada tinham a ver com os roubos de terrenos, jogam as armas fora e desistem, outros se voltam contra Venuto.

O Fogo consome vários casebres e casas dos funcionários.

Do Rocio, os negros olham o clarão  que "torra" o povoado a beira da linha férrea e falam entre si.

-O que São João Maria  falou, esta se cumprindo, que a parada do dragão de fogo não duraria muito!

Capitão Matos Costa.

Vila Nova do Timbó, nessa comunidade está instalado o Comando das Forças em Operação de Guerra, onde se encontra o Capitão João Teixeira de Matos Costa junto aos seus soldados.

Depois de fumar um cigarro, deita-se e dorme. Às nove horas, ele e seus soldados partem para Poço Preto. Às dez horas embarcam em um trem especial, em direção a União da Vitória, onde chegam às onze e meia. Almoçam e às 13h30 embarcam novamente em direção a Calmon, mas, infelizmente, a viagem atrasa novamente, devido a uma barreira no trecho de União da Vitória a Nova Galícia.

- Não acredito no que estou vendo! - reclama o capitão. Enquanto atrasamos, Calmon continua na mira dos fanáticos! - continua.

Os funcionários da São Paulo-Rio Grande trabalham sem parar, retirando a terra dos trilhos. Uma hora depois a viagem segue, pessoas são encontradas fugindo de Calmon, São João e das povoações à beira da linha.

Os soldados de Matos Costa mandam parar o trem e tomam informações que são vagas e contraditórias. A oito quilômetros da estação de São João, um civil de nome Generoso Xavier acena para o trem parar e comunica que havia acontecido um tiroteio entre seus homens e os fanáticos e que "o inimigo" era superior a 400 homens.

O capitão volta-se para o tenente Sylas e comenta:

- Não posso recuar sem ver do quê! Senhor Fernando Graemel! - grita Matos Costa.

- Sim, capitão! - responde o funcionário da estrada de ferro.

- Mande o maquinista prosseguir com o trem e parar a uns mil metros antes da estação - ordena.

- Assim será feito, senhor - responde Graemel.

Porém, depois de passar uma valeta, o maquinista pára o trem. O capitão desce com 50 soldados e segue a pé, enquanto o trem segue a tropa em marcha lenta. O tenente-médico Sylas tenta acompanhar o capitão, mas é impedido.

- Tenente Sylas, o senhor fica com os demais soldados em guarda, para proteger a munição - ordena Matos Costa.

- Sim senhor, capitão! - responde o tenente.

Matos Costa e seus soldados seguem pelos trilhos, enquanto diz que ficassem tranquilos, pois conhecia todos os jagunços e já estivera em alguns redutos.

- Eles são pessoas exploradas, por isso tenho confiança e sei que não vão nos atacar! - comenta o capitão com seus soldados.

A caminhada continua a peito aberto. Cerca de 100 metros depois, recebem uma descarga de tiros de surpresa. Cada soldado tinha 50 tiros. Nisso, o capitão ordena:

- Cabo Nunes e cabo Mandir, tragam mais um cunhete * de cartuchos para nós!

Os soldados descem do trem para atender ao pedido, andam uns dez metros e voltam, embarcando no trem apressadamente, devido à fuzilaria cerrada do inimigo, que se achava emboscado em grande número, exatamente na valeta a poucos metros da tropa, enquanto o comandante Benevenuto Baiano grita:

- Morte aos peludos matadores do povo da terra!

- Morte, morte! - gritam os demais.

No meio do tiroteio, o capitão tenta conversar com os revoltosos dizendo:

- Amigos, sou o capitão João Teixeira, estive com vocês recentemente, vamos conversar!

Os apelos de Matos Costa não são ouvidos, nisso os revoltosos atacam com facões e tiros de espingardas.

O inimigo atacava por todos os flancos do comboio, aumentando o tiroteio e ferindo na perna o mestre de linha, Trancoso, que se achava com o pessoal da máquina. Assustado, o maquinista pede socorro:

- Doutor Sylas, socorro, temos um ferido!

O Tenente Sylas desce do trem e retorna rapidamente, devido ao tiroteio cerrado e pede para o maquinista recuar com o trem para um local fora do alcance das balas. Enquanto isso, o capitão luta bravamente ao lado de seus comandados, que, aos poucos, vão sendo alvejados mortalmente.

Doutor Sylas manda parar o trem, desce e vai socorrer o ferido que se encontra sem sentidos. Em seguida, pede para o maquinista avançar novamente com o trem. Percorrem cerca de mil metros e a batalha recomeça dos dois lados da linha férrea.

O trem pára e, sem ordem, começa a recuar novamente para cinco quilômetros da ação, deixando Matos Costa e seus soldados abandonados à própria sorte. O tenente Sylas vai até o chefe do trem e ordena:

- Senhor Trancoso, ordene que o trem siga em frente!

O chefe de trem, visivelmente embriagado, devido à bebida que havia ingerido por causa do ferimento, responde:

- O trem está sob as ordens do senhor Graemel!

O tenente Sylas desce e vai até a máquina, com o revólver em punho. O maquinista Sydermann, assustado, grita:

- Não, senhor tenente, eu avanço a máquina!

Tenente Sylas responde:

- Não podemos deixar nossos companheiros abandonados!

- Tenente, já temos um ferido e uma bala acertou um cilindro, nós estamos assustados!

Nesse instante, a fuzilaria recomeça, agora contra o último vagão. Quando o Tenente desce da máquina e vai retomar seu lugar junto aos soldados, várias balas passam zunindo próximo ao seu corpo. O trem recomeça o recuo, trabalhando a contravapor, quase derrubando doutor Sylas, que é socorrido pelos companheiros que o recolhem para o vagão.

O trem aumenta a velocidade, parando na estação de Nova Galícia, onde o tenente dá voz de prisão ao chefe de trem, ao maquinista e ao foguista:

- Estão presos por desobedecer às ordens do exército e por abandonarem o capitão Matos Costa e seus soldados!

Os três são recolhidos na cadeia de Nova Galícia e, em seguida, são postos em liberdade, graças a um pedido do inspetor-geral da estrada de ferro, doutor Guimarães Cumin. Enquanto isso, o capitão continua a batalha contra os fanáticos.

Vendo o trem se afastando e que seus homens estavam perecendo, toma uma decisão e grita:

- Salvem-se, salvem-se, agora cada qual trate de si, e se dirija para o mato!

Nesse instante, recebe um golpe de facão no peito. Estremece dizendo:

- Por que, meu amigo, eu fui o único que acreditou em vocês e os defendi, por quê? - fala o capitão ao fanático Benevenuto Baiano, que larga o facão e segura o capitão. Seu semblante é de dor.

- Não, capitão, por favor, não morra, o que eu fui fazer! - grita o rebelde.

Larga o capitão no chão e corre para junto dos demais, dando ordem de retirada.

- Vamos, vamos, todos estão mortos!

Vários soldados, cerca de 20, estão mortos, suas armas foram levadas pelos fanáticos. Outros entram na mata, fugindo desesperados.

Enquanto isso, no pátio da estação, em outros locais do povoado, milhares de corpos estão espalhados, degolados, outros sem as mãos, mulheres abusadas,  em alguns pontos caboclos seguram crianças e choram! O que o morador  José Leôncio vislumbrou sobre o incêndio da estação e o ataque a São João, coincide com o que encontramos nos livros e trabalhos acadêmicos sobre o tema. O rapaz  ficou escondido num vagão que havia no desvio com o telégrafo. José Leôncio depois de fugir e se refugiar no referido vagão da Estrada de ferro, pensava sobre o incêndio da estação. Sozinho pensava sobre as mortes e a fuga das pessoas. Dentro do vagão que havia no desvio com o telégrafo ficava a pensar em vários assuntos. Com medo de encontrar os "jagunços", como ele chamava, só saia no meio da noite, sorrateiramente e ia "numa casa" pegar roupa e comida. Durante este trajeto o horror era grande, suas pernas tremiam, qualquer barulho o assustava. Seus olhos ficavam presos na escuridão e gritava quando se encostava a um corpo, sabia disso devido ao cheiro que sentia ao passar junto a cadáveres insepultos que fediam muito.

Em certo momento tropeçou e caiu, levantou-se e seguiu. De volta ao vagão, não largava o telégrafo, havia salvado o aparelho das chamas e o instalou no vagão, protegia o objeto pela sua importância, porque era seu dever.

Dados históricos confirmam que durante a Guerra do Contestado era através do telégrafo que as pessoas se comunicavam. Os serviços telegráficos da Brazil Railway eram muito solicitados pelo Exército para se comunicar com os governos estaduais e federais. É importante ressaltar que ao descrever os acontecimentos relacionados ao incêndio das estações, José Leôncio nunca se colocava contra ou a favor de nenhum dos lados (caboclos e militares). Destacava tão somente o sofrimento das famílias, as perdas humanas e materiais.

O trem do Capitão Matos Costa que fora atacado retorna a União da Vitória, abarrotando os vagões de pessoas que se encontram fugindo de São João, e das comunidades à beira da estrada de ferro. No dia seguinte, o tenente doutor Sylas retorna com 80 homens, recolhe pessoas extraviadas e seis feridos, os quais são tratados no próprio local. Chegando a São João, recolhe os soldados mortos, na esperança de encontrar o Capitão Matos Costa ainda vivo, mas não encontra o corpo do destemido soldado. Chegam a Calmon e lá a situação é ainda pior, a serraria, casas e estação estão queimadas, corvos, porcos e cães dilaceram os corpos que já cheiram mal.

No dia seguinte, oito de setembro de 1914, Naquelas duas noites, Leôncio, consegue ver de perto todo o estrago.  A exemplo de Calmon, porcos, cachorros, abutres e outros animais comem o que resta das pessoas. Um trem de apoio retorna a São João e Calmon, socorre José, mas ele prefere permanecer ali, na terra que o havia acolhido..

  Benevenuto Baiano chega ao reduto do Caragoatá (local onde estavam instalados os barracos e o comando dos caboclos, onde atualmente está a cidade de Lebon Régis - SC) e conta o que aconteceu. Os chefes ficam surpresos com a notícia da morte de Matos Costa e das crianças em São João.

- O que você fez, Venuto? - grita Elias de Moraes.

- Senhor, eu não sabia que era o capitão Matos Costa que estava com os peludos!  Responde Venuto.

Os chefes se reúnem em uma das casas do reduto e decidem o seguinte:

- Homens, amarrem o Baiano!

O rebelde cai em desespero e grita:

Nisso Maria Rosa fala:

- Você matou o homem que realmente nos deu valor, e era o homem que estava "mexendo" com meu coração!

Benevenuto, depois de amarrado, é enforcado em uma árvore no centro do reduto. Nisso, Maria Rosa torna a falar:

- Que sirva de exemplo para aqueles que gostam de matar mulheres, crianças e amigos da nossa causa!

Todos olham assustados para o corpo do líder caboclo,(Nota: que nos anos de 2013 corre a notícia que era um olheiro do exército) que jaz pendurado, em um trágico espetáculo de horror. Dias depois da tragédia, o corpo do capitão é resgatado e enterrado em Curitiba, a pedido dos familiares.

Os ventos das tardes seguintes marcam apenas o sibilo nas paredes dos ranchos chamuscados pelas labaredas, e pelo cheiro forte de corpos estraçalhados.

O povoado de Miguel Calmon continua no isolamento. Somente animais e alguns caboclos perambulam pelas ruas, o cheiro de queimado ainda está no ar, o sol durante o dia parece mais apagado, durante a noite a lua e seu clarão dão um ar de terror, parece que as almas dos homens mortos e caboclos perambulam pela cidade. O coiote uiva ao longe, a coruja voa e pia, barulho que se mistura com o coaxar dos sapos nos banhados. O vento sibila, a guerra está apenas no início.

José Leôncio Silva permaneceu em São João dos Pobres. Em 15 de novembro de 1916 casou-se com Izaura Xavier, também moradora do Distrito, filha de Joaquim Xavier (já falecido na época) e de Henriqueta da Silva Furtado e teve três  filhas nascidas em Matos Costa.

O Setembro Ensanguentado foi terrível para Calmon e São João dos Pobres, mas era apenas um detalhe, mais sangue correria em dias que seguiriam até 1.916!

 

A redação permaneceu conforme acontecia a fala na época.

Este material é exclusivo de João Batista Ferreira dos Santos, jornalista e pesquisador de Calmon SC, do Livro A História de Calmon na Guerra do Contestado.

Agradecimentos a senhora Glaci Chila, pelas informações fornecidas em torno da história de seu avô, José Leôncio.

 




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