PLATAFORMA DE SANGUE.
O sol da tarde do dia cinco de setembro de 1914, estava avermelhado, o vento "chacoalhava" os galhos de pinheiros, desde a manhã daquele dia um grupo de caboclos que foram perseguidos, tiveram suas terras tiradas pela Lumber Colonization, estavam a espreita para atacar o centro das atenções, a segunda maior serraria da América do Sul, o povoado visado para ser cidade, local de onde administrava toda a construção da ferrovia de União da Vitória PR a Marcelino Ramos RS.
O jovem Chico Alonso, repassa as ultimas instruções, .
-Não matem mulheres e crianças, mas destruam tudo o que pertence ao povo das "oropa", queimem, destruam e matem os peludos que fazem a guarda de tudo.
O povoado de Calmon, continua calmo, ouve-se apenas o barulho da enorme serraria.
"Antonio", o agente da estação, estava sentado na plataforma curtindo o sol, quando avista um cavalheiro que se aproxima a galope, para em frente o armazém e comunica que, os "fanáticos" estão vindo atacar o povoado. Seu Antonio olha para o lado Sul e avista uma multidão, com espingardas e pistolas "pick paus" ("armas de carregar pelo cano"), carabinas, facões de paus, velhas espadas, entre outras armas. O agente da estação; Corre e passa o aviso para as demais estações que repassam: SOCORRO, ESTÃO ATACANDO CALMON, SOCORRO! "Os seguranças correm, tentam deter o ataque surpresa, mas é tarde. Tudo o que é encontrado colocam fogo, casas, escritório, estação e a grande e visada serraria da Lumber. Homens caem mortos dos dois lados, mas quem começa a vencer é o Grupo de Chiquinho, que grita: "Morte aos peludos da lumbe, mataram nossas famílias, roubaram nossas terras, destruíram nossas árvores, matem, poupem crianças e mulheres.
OBS: (texto retirado do Livro: A História de Calmon na Guerra do Contestado de João Batista Ferreira do Santos)
O barulho de tiros ensurdece o pequeno povoado de Miguel Calmon, os pistoleiros tentam conter o ataque e um a um vão caindo frente as armas de pau dos caboclos, as armas dos seguranças passam a pertencer aos caboclos que se fortalecem ainda mais.
Corpos de caboclos e pistoleiros começam a aparecer, na plataforma da estação, o sangue começa a pingar, cenas de horrores é o que se avista a cada palmo de terra.
O sangue começa a manchar a rua, muitos olham abismados das janelinhas das casas. Mulheres pegam as crianças e fogem, os caboclos deixam que corram. Na serraria, ouve-se o tiroteio cerrado, parecendo a Guerra de Secessão. O feitor manda parar as máquinas e joga o facão, pedaços de pau e ferros para os funcionários se defenderem.
Seu Antonio novamente corre para o telégrafo e avisa as estações aos arredores:
-Socorro, bandidos em Calmon, socorro, estão matando e queimando tudo. A estação em poucos minutos vira uma grande fogueira, e a "batalha" agora é travada sobre os trilhos, corpos de caboclos, trabalhadores e pistoleiros vão se empilhando, em um cenário macabro.
Pessoas degoladas, outros sem braço, alguns gritam por socorro. Chiquinho Alonso grita:
-Quem for cabocro venha pro nosso lado e não morrerão!
Alguns atendem ao chamado e viram de lado, armas que ficaram espalhadas são recolhidas e distribuídas entre os combatentes, que de um numero de 300, restam apenas 214.
Serraria da Lumber!
A serraria fica vazia, todos tentam escapar, os caboclos colocam fogo nas pilhas de madeiras, e chegam na serraria, onde também é incendiada.
As labaredas e a fumacça escurece o sol, em seguida casas e a própria estação ardem em chamas, cheiro de carne humana queimada é sentida ao longe.
Uma tarde tétrica se desenha devido aos inúmeros corpos na plataforma, nas ruas e até no meio das matas. muitos homens baleados tentam correr e morrem. Chico alonso nos seus 17 anos de vida, faz uma das maiores vinganças contra os americanos que enviaram pistoleiros sanguinários, estupraram as mulheres, mataram crianças e mulheres que não queriam entregar suas terras para a companhia.
A fogueira é enorme e o número de mortos também. Nas matas de araucárias, pelos lados da pirambeira, mulheres e alguns homens com suas crianças correm sem parar, se escondem, quando ouvem o cessar de tiros e apenas os estalos das ferragens da serraria ardendo na fogueira que marcou o sertão calmonense em 1.914.
Em seguida o líder reúne os homens que sobraram e seguem para o armazém do Nicola que ainda estava em pé e escrevem um bilhete, pregando na parede.
"Nóis num matava e nem robava, veio governo das oropas e tomou tudo que pertencia a nacao, matou nsos fios e muéres, nóis agora vamo faze vale nossos diretctos".
Comandante de briga Chico Alonso!
Altas horas da noite, os porcos devoram os corpos que ficaram espalhados no povoado, as vísceras estão em qualquer lugar em qualquer boca de animal. Corpos insepultos jazem a mercê da natureza.
Um trem de inspeção segue para Calmon e da Serra da Pirambeira avista as labaredas do incêndio de Calmon e concluem: A guerra havia começado! Recolhem mulheres e crianças na beira da ferrovia e retornam a União da Vitória, onde dão o alarme.
Avisam o Capitão Matos Costa, que Calmon, virou cinza, não sabem eles que em breve São João dos Pobres é a nova vitima, pois naquela noite de cinco de setembro já esta na mira dos Caboclos de Benevenuto Baiano.
Baiano e seus comandados permanecem atocaiados nas matas de pinheiros, próximo a São João, alguns olheiros, chegam no pequeno povoado do Rocio, distante cerca de três quilômetros da estação. Conversam com as famílias de Negros, convidam alguns para se juntarem ao grupo, alguns recusam, alguns jovens aceitam, e prometem que com eles nada vai acontecer, mas isto é outra história.
Em Calmon, no dia seis de setembro, o amanhecer é triste, a plataforma da estaçao está vermelha, resta apenas o carvão e as cinzas da velha estação onde em 1.909, esteve pessoalmente o Presidente Afonso Pena e uma comitiva inaugurando aquele espaço. A cida resta apenas ferros retorcidos na serraria, animais andam e devoram ainda corpos insepultos.
Texto do jornalista Caboclo de Calmon, João Batista Ferreira dos Santos.
Calmon, 19 de agosto de 2021.