O patrimônio histórico, artístico e cultural de nosso país está entregue ao mais completo abandono. Se é verdade que a atividade cultural sempre foi levada no peito por editores, críticos, jornalistas culturais e empresários corajosos, também é certo que nunca o descaso e a insensibilidade chegaram ao nível calamitoso de hoje. Nas minhas freqüentes andanças pelo país, envolvido nessas coisas de letras, tenho verificado in loco o descalabro reinante. Nestes últimos tempos estive em Minas, Rondônia, Tocantins e Rio Grande do Sul, além de várias regiões do Estado, e me deparei sempre com idêntico panorama de descaso e decadência.
Por essas razões, merecem louvores aqueles que lutam sozinhos, às vezes enfrentando a indiferença e até a hostilidade do poder público, pela preservação do que resta. Entre estes está o Grupo Resgate, criado na cidade de Calmon (SC), e composto por João Batista Ferreira dos Santos (JB), Jones Edrien Signori, Mauri Araújo(in-memorian), Joel Ribeiro e Gláucio Boz; Atualmente JB conta com com seus filhos Jayne Jones, sobrinho Izaias e irmão Ezaquel, com o objetivo de resgatar a história do Contestado, naquilo que ainda há por descobrir, bem como o desenvolvimento social, econômico e cultural da região de Calmon e Matos Costa, importantes palcos de sangrentos acontecimentos durante aquele conflito. E ao mesmo tempo, desvendando lugares históricos e belezas naturais desconhecidos que possam, no futuro, ensejar o aparecimento do turismo rural organizado. Calmon foi uma das sedes da Companhia Lumber e em Matos Costa foi morto esse valente capitão. Ambas as cidades foram quase totalmente queimadas pelos revoltosos.
Em criteriosas expedições de fim-de-semana, o Grupo palmilha sem cansaço o território da região, varando campos, matos inceiros, rios e serras, detendo sua atenção em locais indicados por antigos moradores, "que sabem ou desconfiam da existência de algum fato histórico ou de algum ponto de grande beleza natural."E assim, nessas andanças, descobriram cachoeiras esquecidas, serras pouco lembradas, estradas abandonadas, represa abandonada no Rio do Peixe, fontes desconhecidas, grutas, pinheiros e árvores centenárias, a abandonada reserva indígena do Quati, locais de belíssimas paisagens, ruínas da antiga ferrovia (caixas d'água, viadutos, bueiros), ferragens e maquinárias perdidas na mata etc. Além disso, encontraram inúmeras peças bélicas, como balas de fuzil (mais de cinco mil), peças de artilharia, como facão, espada, pedaços de revólver e até uma cápsula Shelpnel, usada em canhão. Como complemento reúnem grande acervo de objetos relacionados ao Contestado, como livros, revistas, jornais, fotos, documentos, gravações e tudo mais. Realizam um trabalho intenso de reportagens, entrevistando pessoas antigas e gravando seus depoimentos, fotografando e filmando personagens e locais de interesse. Pleiteiam instalar um museu com esse patrimônio na estação ferroviária, que está abandonada, e que não poderia ser local mais adequado, mas esbarram em graves entraves burocráticos. O Grupo publicou um interessante álbum a respeito de seus objetivos e publica um jornal de nome "Resgate", registrando nele as suas conquistas. Também realiza vídeos para divulgação. Tudo isso com recursos próprios, aliás diminutos, sem qualquer ajuda oficial.
Visito sempre a região, e fiquei impressionado com a disposição e a coragem daqueles jovens. Eles estão realizando aquilo que os governos não fazem, embora fosse seu dever constitucional.
Enéas Athanázio,
jurista e escritor
e.atha@terra.com.br
Balneário Camboriú - SC