Consuma-se a tragédia: MORRE O CAPITÃO JOÃO TEIXEIRA E MATOS COSTA!
Noite de cinco de setembro de 1914, primavera na Vila Nova do Timbó. Nessa comunidade está instalado o Comando das Forças em Operação de Guerra, onde se encontra o capitão João Teixeira de Matos Costa junto aos seus soldados. O capitão conversa pelo telefone com seus superiores no Rio de Janeiro. Em seguida, visivelmente preocupado, vai ao quarto do 1°Tenente doutor Sylas Teixeira da Silva e comenta:
- Tenente, amanhã cedo partiremos para a estação de Calmon, que foi atacada pelos fanáticos. Conto com o senhor na expedição.
- Sim senhor, capitão! - responde o tenente.
- Tomaremos o trem às nove horas em Poço Preto, repasse o aviso aos soldados! - continua Matos Costa.
Em seguida, volta para seu quarto. Depois de fumar um cigarro, deita-se e dorme. Às nove horas, ele e seus soldados partem para Poço Preto. Às dez horas embarcam em um trem especial, em direção a União da Vitória, onde chegam às onze e meia. Almoçam e às 13h30 embarcam novamente em direção a Calmon, mas, infelizmente, a viagem atrasa novamente, devido a uma barreira no trecho de União da Vitória a Nova Galícia.
- Não acredito no que estou vendo! - reclama o capitão. Enquanto atrasamos, Calmon continua na mira dos fanáticos! - continua.
Os funcionários da São Paulo-Rio Grande trabalham sem parar, retirando a terra dos trilhos. Uma hora depois a viagem segue, pessoas são encontradas fugindo de Calmon, São João e das povoações à beira da linha.
Os soldados de Matos Costa mandam parar o trem e tomam informações que são vagas e contraditórias. A oito quilômetros da estação de São João, um civil de nome Generoso Xavier acena para o trem parar e comunica que havia acontecido um tiroteio entre seus homens e os fanáticos e que "o inimigo" era superior a 400 homens.
O capitão volta-se para o tenente Sylas e comenta:
- Não posso recuar sem ver do quê! Senhor Fernando Graemel! - grita Matos Costa.
- Sim, capitão! - responde o funcionário da estrada de ferro.
- Mande o maquinista prosseguir com o trem e parar a uns mil metros antes da estação - ordena.
- Assim será feito, senhor - responde Graemel.
Porém, depois de passar uma valeta, o maquinista pára o trem. O capitão desce com 50 soldados e segue a pé, enquanto o trem segue a tropa em marcha lenta. O tenente-médico Sylas tenta acompanhar o capitão, mas é impedido.
- Tenente Sylas, o senhor fica com os demais soldados em guarda, para proteger a munição - ordena Matos Costa.
- Sim senhor, capitão! - responde o tenente.
Matos Costa e seus soldados seguem pelos trilhos, enquanto diz que ficassem tranqüilos, pois conhecia todos os jagunços e já estivera em alguns redutos.
- Eles são pessoas exploradas, por isso tenho confiança e sei que não vão nos atacar! - comenta o capitão com seus soldados.
A caminhada continua a peito aberto. Cerca de 100 metros depois, recebem uma descarga de tiros de surpresa. Cada soldado tinha 50 tiros. Nisso, o capitão ordena:
- Cabo Nunes e cabo Mandir, tragam mais um cunhete * de cartuchos para nós!
Os soldados descem do trem para atender ao pedido, andam uns dez metros e voltam, embarcando no trem apressadamente, devido à fuzilaria cerrada do inimigo, que se achava emboscado em grande número, exatamente na valeta a poucos metros da tropa, enquanto o comandante Benevenuto Baiano grita:
- Morte aos peludos matadores do povo da terra!
- Morte, morte! - gritam os demais.
No meio do tiroteio, o capitão tenta conversar com os revoltosos dizendo:
- Amigos, sou o capitão João Teixeira, estive com vocês recentemente, vamos conversar!
Os apelos de Matos Costa não são ouvidos, nisso os revoltosos atacam com facões e tiros de espingardas.
O inimigo atacava por todos os flancos do comboio, aumentando o tiroteio e ferindo na perna o mestre de linha, Trancoso, que se achava com o pessoal da máquina. Assustado, o maquinista pede socorro:
- Doutor Sylas, socorro, temos um ferido!
O Tenente Sylas desce do trem e retorna rapidamente, devido ao tiroteio cerrado e pede para o maquinista recuar com o trem para um local fora do alcance das balas. Enquanto isso, o capitão luta bravamente ao lado de seus comandados, que, aos poucos, vão sendo alvejados mortalmente.
Doutor Sylas manda parar o trem, desce e vai socorrer o ferido que se encontra sem sentidos. Em seguida, pede para o maquinista avançar novamente com o trem. Percorrem cerca de mil metros e a batalha recomeça dos dois lados da linha férrea.
O trem pára e, sem ordem, começa a recuar novamente para cinco quilômetros da ação, deixando Matos Costa e seus soldados abandonados à própria sorte. O tenente Sylas vai até o chefe do trem e ordena:
- Senhor Trancoso, ordene que o trem siga em frente!
O chefe de trem, visivelmente embriagado, devido à bebida que havia ingerido por causa do ferimento, responde:
- O trem está sob as ordens do senhor Graemel!
O tenente Sylas desce e vai até a máquina, com o revólver em punho. O maquinista Sydermann, assustado, grita:
- Não, senhor tenente, eu avanço a máquina!
Tenente Sylas responde:
- Não podemos deixar nossos companheiros abandonados!
- Tenente, já temos um ferido e uma bala acertou um cilindro, nós estamos assustados!
Nesse instante, a fuzilaria recomeça, agora contra o último vagão. Quando o Tenente desce da máquina e vai retomar seu lugar junto aos soldados, várias balas passam zunindo próximo ao seu corpo. O trem recomeça o recuo, trabalhando a contravapor, quase derrubando doutor Sylas, que é socorrido pelos companheiros que o recolhem para o vagão.
O trem aumenta a velocidade, parando na estação de Nova Galícia, onde o tenente dá voz de prisão ao chefe de trem, ao maquinista e ao foguista:
- Estão presos por desobedecer às ordens do exército e por abandonarem o capitão Matos Costa e seus soldados!
Os três são recolhidos na cadeia de Nova Galícia e, em seguida, são postos em liberdade, graças a um pedido do inspetor-geral da estrada de ferro, doutor Guimarães Cumin. Enquanto isso, o capitão continua a batalha contra os fanáticos.
Vendo o trem se afastando e que seus homens estavam perecendo, toma uma decisão e grita:
- Salvem-se, salvem-se, agora cada qual trate de si, e se dirija para o mato!
Nesse instante, recebe um golpe de facão no peito. Estremece dizendo:
- Por que, meu amigo, eu fui o único que acreditou em vocês e os defendi, por quê? - fala o capitão ao fanático Benevenuto Baiano, que larga o facão e segura o capitão. Seu semblante é de dor.
- Não, capitão, por favor, não morra, o que eu fui fazer! - grita o rebelde.
Larga o capitão no chão e corre para junto dos demais, dando ordem de retirada.
- Vamos, vamos, todos estão mortos!
Vários soldados, cerca de 20, estão mortos, suas armas foram levadas pelos fanáticos. Outros entram na mata, fugindo desesperados.
O trem retorna a União da Vitória, abarrotando os vagões de pessoas que se encontram fugindo de São João, e das comunidades à beira da estrada de ferro. No dia seguinte, o tenente doutor Sylas retorna com 80 homens, recolhe pessoas extraviadas e seis feridos, os quais são tratados no próprio local. Chegando a São João, recolhe os soldados mortos, na esperança de encontrar o Capitão Matos Costa ainda vivo, mas não encontra o corpo do destemido soldado. Chegam a Calmon e lá a situação é ainda pior, a serraria, casas e estação estão queimadas, corvos, porcos e cães dilaceram os corpos que já cheiram mal.
No dia seguinte, oito de setembro de 1914, Benevenuto Baiano chega ao reduto do Caragoatá (local onde estavam instalados os barracos e o comando dos fanáticos, onde atualmente está a cidade de Lebon Régis - SC) e conta o que aconteceu. Os chefes ficam surpresos com a notícia da morte de Matos Costa e das crianças em São João.
- O que você fez, Venuto? - grita Elias de Moraes.
- Senhor, eu não sabia que era o capitão Matos Costa que estava com os peludos! - responde Venuto.
Os chefes se reúnem em uma das casas do reduto e decidem o seguinte:
- Homens, amarrem o Baiano!
O rebelde cai em desespero e grita:
- Não me matem! - suplicando, cai de joelhos.
Nisso Maria Rosa fala:
- Você matou o homem que realmente nos deu valor, e era o homem que estava "mexendo" com meu coração!
Benevenuto, depois de amarrado, é enforcado em uma árvore no centro do reduto. Nisso, Maria Rosa torna a falar:
- Que sirva de exemplo para aqueles que gostam de matar mulheres, crianças e amigos da nossa causa!
Todos olham assustados para o corpo do líder rebelde que jaz pendurado, em um trágico espetáculo de horror. Dias depois da tragédia, o corpo do capitão é resgatado e enterrado em Curitiba, a pedido dos familiares.
O povoado de Miguel Calmon continua no isolamento. Somente animais e alguns caboclos perambulam pelas ruas, o cheiro de queimado ainda está no ar, o sol durante o dia parece mais apagado, durante a noite a lua e seu clarão dão um ar de terror, parece que as almas dos homens mortos e caboclos perambulam pela cidade. O coiote uiva ao longe, a coruja voa e pia, barulho que se mistura com o coaxar dos sapos nos banhados. O vento sibila, a guerra está apenas no início.