TEMPOS TRISTES DE UM PASSADO,
Em 1.922, uma ditosa senhora, Luiza Araújo, contava para os conhecidos, que no mês de Setembro de 1.914, dia 14, povoado de Miguel Calmon, fazenda São Roque. Final de outubro, sol vermelho na serra, homens trabalham na reforma da cobertura de um dos poucos casebres que sobraram do fatídico dia, cinco de setembro. A reforma acontecia na cobertura de tabuinhas lascadas, que eram renovadas, devido ao estrago causado por tiros de armas "pesadas" usadas pelos seguranças da Lumber, contra os caboclos de Chico Alonso. Dona Luiza dizia que durante uma noite, sobre a luz de lampiões a querosene, momento em que com suas filhas preparava o jantar daquela noite, viu o cachorro da família entrar no casebre, arrastando algo. Mas, devido à luz baixa dos lampiões, não vislumbrou muito, achando ser um animal morto, devido ao forte cheiro que exalava.
Seu esposo gritou com o cão que assustado abandonou algo sinistro. Ao se aproximar, seu esposo, deu grito, dizendo:
-Nossa senhora, véia, olhe pra isso!
Quando dona Luíza aproximou-se, deparou-se com um braço humano, restos de um caboclo, que fora morto e devorado por porcos e cães, que já saciados deixaram apenas partes de corpos espalhados. Mesmo com o passar do dia e enterrados a maioria das pessoas mortas, ainda era possível encontrar outras partes humanas sobre a sombra das araucárias.
Momento triste e pesado para a família, que rapidamente arranjaram pedaços de panos e embrulharam o braço humano e, "correram" enterrando próximo a linha férrea. Dona Luíza contava ainda que, com o tempo foram encontradas armas abandonadas, casacos de caboclos, ossadas humanas insepultas, munições e até facões dos caboclos que morreram e o material ficou perdido. Os casarões da Lumber que arderam nas chamas junto com a serraria, restavam apenas as armações enegrecidas pelo carvão. Da lumber, ferros e peças de vagões, estavam retorcidos devido ao calor do fogo, que durou três dias e três noites.Mesmo a pequena casinha da senhora Luíza estar afastada cerca de 500 metros do povoado, naquele dia foi pavoroso, ver o tiroteio, entre homens da lumber e os caboclos de Alonso. Mulheres se esconderam em seu ranchinho, outras entraram mata adentro, aproveitando o momento que o líder lhes ofereceu de se salvar. Seus maridos, trabalhadores da empresa americana, homens que nada tinham a ver com a disputa, foram mortos. Dona Luíza e a família, também se esconderam, seu esposo tinha chegado da mata, e seu filho mais velho teria finalizado seu horário de serviço na empresa, onde era obrigado a trabalhar, para não morrer nas mãos dos pistoleiros violentos.
Ainda nos anos de 1.980, dona Luíza já passando de 90 anos, contava e repetia a história, das cabeças, braços e pedaços humanos que cães carregavam para o pátio e muitas vezes para dentro de casa. Aquilo marcou a senhora, que a cada minuto dizia, se soubesse de tudo aquilo, teria ficado no Rocio (São João dos Pobres) ao lado dos parentes
Realmente a história da senhora Luíza foi contada de casa em casa. Rodas de chimarrão, e muitas vezes no brilho de tristeza que muitos carregavam nos olhos. A exemplo de Calmon, que dias depois do massacre, que vitimou pessoas de ambos lados, caboclos e funcionários da empresa americana,outros povoados também sofreram, em São João dos Pobres, pessoas mortas ficaram espalhadas pelos vassourais em frente ao pátio da estação ferroviária, ou o que restou dela.Ali, foram encontrados corpos de homens, mulheres, idosos e crianças de todas as idades. Vagões da estrada de ferro eram carregados com pessoas e levados, até hoje, não se sabe para onde. Quem sabe um crematório, uma vala, ou simplesmente jogados nos tantos barrancos a beira da ferrovia. O Grupo Resgate, já encontrou inúmeros cemitérios que se remetem aos tempos da Guerra, com mais de 100 anos de existência.
A Dona Luíza viu com seus olhos, contou para muitos o que aconteceu em Calmon e região. Santa Catarina deve muito para nossa região, foram às forças deste estado e do Paraná, juntamente com soldados de vários batalhões que dizimaram quase que por completo as pessoas que somente queriam seu "pedaço" de terra.E a senhora Luíza seria esquecida, mas para isso existe o Grupo Resgate e um jornalista caboclo, chamado JB.